Dia do Orgulho ou da Vergonha Nerd?
Hoje é o Dia do Orgulho Nerd, uma data que tem origens nos fandoms de Star Wars e Guia do Mochileiro das Galáxias. Portanto, de cara ela nem engloba todo o mundo nerd. Mas deixando esse detalhe de lado, a pergunta que mais me faço nos últimos anos é: orgulho de quê?
Antigamente, nerd era uma palavra usada para definir o cara que estudava muito, na maioria das vezes uma pessoa que manjava de matemática ou ciências ou até mesmo tecnologia. Com o tempo a palavra nerd foi se tornando mais abrangente, usada também para os fãs de quadrinhos, animes, literatura fantástica, games e afins. Mas, no geral, era usada de maneira pejorativa. Pra ofender mesmo. Talvez por isso o Dia do Orgulho Nerd pudesse ter alguma importância se existisse nessa época, quando ser nerd era exclusivamente motivo de gozação. Mas, convenhamos, a data hoje pouco diz sobre o próprio nerd, se tornando mais uma jogada comercial.
O nerd de hoje, aliás, é algo bem mais abstrato. Com a enorme popularidade de filmes, séries e games, é difícil encontrar pessoas que não gostem de pelo menos uma “fatia” do universo nerd, sejam personagens da Marvel ou DC, ou Harry Potter, Star Wars, Zelda, o que for. Antes algo ofensivo para o público em geral, agora ser nerd é algo legal, entrou na moda.
Mas aí o nerd “original” começou a demonstrar tendências nada amigáveis, da mesma maneira que as pessoas que os humilhavam antes. É comum ver nerds fazendo pouco caso de mulheres que se interessam pelos mesmos assuntos que ele. É o mesmo cara que reclama que nenhuma mulher lhe dá atenção, mas quando tem a chance de uma conversa divertida sobre assuntos em comum, prefere exaltar uma falsa superioridade porque leu mais gibis, ou porque coleciona há mais tempo. Resultado: faz papel de idiota e afasta o público feminino, às vezes dos materiais nerds, mas com certeza da figura do nerd.
Tem ainda o nerd velho, que também entra na onda de se achar superior, criticando quem só viu uma adaptação da HQ, quem só jogou o game da nova geração e não o antigo. É uma visão ridícula onde a pessoa vive dando “carteiradas”, realmente achando que esse tempo gasto com seu hobbie é algo que o destaca do resto da humanidade. Uma arrogância inútil de alguém que não enxerga como é bom o surgimento de novos nerds para a expansão do mercado.
De um tempo pra cá, com tantos machistas, racistas e homofóbicos no meio, é difícil encarar os comentários em qualquer site ou rede social. É uma sequência sem fim de ultrajes, muitos chegando a níveis criminosos, vomitados por criaturas que demonstram ter algum problema mental sério, distorcendo a realidade a todo o momento para justificar preconceitos que insistem em definir como “opiniões”. Retomando o começo do texto: é nessas horas que me pergunto do que devemos ter orgulho.
Não que não existam nerds decentes, é claro que sim. Mas nas redes sociais, principalmente, parecem ser a minoria. Primeiro porque as criaturas escrotas fazem muito mais barulho e parecem não ter vida social ou profissional, passando o dia inteiro conectados, espalhando seu ódio e todo tipo de emoção negativa. Em segundo, porque empresas e profissionais, com medo de perderem alcance, passam a mão na cabeça desses malucos. Quantos grupos de Facebook ou páginas do Instagram com bom conteúdo você conhece, que são invadidos por comentários que não refletem a opinião dos criadores, mas que esses mesmos criadores preferem ficar quietos para aproveitar o alcance proporcionado pelas brigas nos comentários?
Talvez, para ter motivo real de orgulho, fosse o momento de separar o nerd sadio dessa figura tenebrosa que age como um câncer no mundo virtual. Aquele que muitos de nós, eu incluso, preferem chamar de nerdola. Aquela pessoa que se sente ofendida e excluída quando surge uma heroína, um personagem negro ou homossexual. A pessoa que acha que as centenas de heróis padronizados como o branco perfeito já não bastam. Aqueles que acham que não tem espaço para política no gibizinho ou no filminho. Aquele que disfarça sua burrice com uma parede de ódio, distorcendo a realidade para dizer que as pessoas consideradas minorias é que estão o atacando.
Nesse meio tão tóxico, ficou comum brincarmos que o nerd tem que acabar, e os motivos listados acima são bons argumentos. Mas eu discordo. O nerd tem que mais uma vez ser ressignificado, a palavra tem de ser dissociada de toda essa carga negativa e voltar a ser sinônimo de pessoas que curtem cultura pop. Quem tem que acabar é o nerdola, esse elemento que não agrega nada, só atrapalha e se acha o dono da verdade, mesmo que, ao que tudo indica, nunca tenha cruzado o caminho dela.
Sensacional! Boa dissertação sobre esse meio, atualmente tão liquido ou liquidado por mentes tacanhas.
Reflexão mais do que oportuna. Minhas congratulações!
Perfeitamente Pontuado, é justamente por ações tão orendas como essas citadas que acontecem Tantos conflitos sem sentido no meio Nerd, algo desse tipo não pode ser tratado tão levianamente.