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Absolute Power e DC All In: isso tem fim?

Mark Waid já foi um dos maiores roteiristas de quadrinhos de super-heróis. Não me entenda mal: ele não perdeu a mão, não ficou ruim. Pelo contrário, continua entregando HQs mensais bem divertidas, mas algo se perdeu com o tempo. Desde seu excepcional Demolidor, Waid nunca mais fez algo memorável nas grandes editoras. Ele cria boas histórias, mas não há a construção de mitologias, o desenvolvimento e evolução de personagens de outrora. De volta à DC Comics há alguns anos, Waid vem produzindo bastante e um de seus mais recentes trabalhos foi a saga Absolute Power, ao lado do desenhista Dan Mora, seu atual principal parceiro.

Muito do que vem acontecendo no Universo DC nos últimos anos vem naquela pegada de evento passando por cima de evento que tanto cansou o mercado nas últimas décadas. Quando anunciada, Absolute Power parecia um tipo de conclusão para os últimos anos de narrativas, mas, no fim das contas, é só mais um passo nesse dominó interminável de histórias que resultam em outras histórias, destruindo o interesse do leitor.

Na trama, Amanda Waller quer acabar de vez com os superpoderosos do planeta. E, para isso, usa outros superpoderosos, sejam robôs, contrapartes de outras realidades ou seres sobrenaturais. Resumindo: a motivação e ações da vilã já começam sem sentido, o que não é um bom sinal. Já faz muito tempo que Waller vem sendo descaracterizada, saindo de uma personagem linha dura em tons de cinza para uma vilã boba e caricata. Se antes só queria proteger os interesses dos Estados Unidos e até salvar vidas inocentes, agora ela odeia super-heróis sem uma razão coerente. Absolute Power representa um dos pontos mais baixos da trajetória da outrora peça-chave do Universo DC.

A HQ até engana em suas primeiras páginas. A arte de Dan Mora é a parte que não tem como ser criticada, linda como sempre. O início cria um senso de emergência ao vermos os mais variados heróis sendo neutralizados pelas forças de Waller. Tudo parece perdido muito rápido. E depois é uma enrolação esticada na própria minissérie, em outras derivadas e em tie-ins em algumas revisas mensais, parecendo não ter fim.

O que começa com uma derrota fácil demais dos heróis vira um corre-corre onde nada acontece de verdade, concluindo numa vitória fácil e apressada dos heróis. Enfim, apesar de ter várias consequências a serem exploradas em diversos títulos nos próximos meses, tudo parece sem peso, sem importância, sem graça, já que a condução da trama foi cansativa, falhando miseravelmente em explorar a sensação de perigo depois de suas primeiras páginas.

Entendo perfeitamente que é o tipo de história onde o roteirista toma poucas decisões, então o problema não é só Waid. O desastre causado por Os Novos 52 em 2011 vem se acumulando com inúmeras reformulações que tiraram o aprofundamento dos personagens, trouxeram de volta, mudaram, anularam, deixaram tudo uma confusão que ninguém mais entende, nem mesmo os editores e escritores. Isso se reflete nesta história com os retcons para tentar justificar a vilania de Waller, que fazem lembrar o que foi feito com Maxwell Lord em Crise Infinita. A diferença é que, no caso de Lord, mesmo que também não fizesse sentido inicialmente, usaram o personagem tão bem como vilão, que acabamos comprando a mudança, apreciando o novo status quo. Com Waller foi o extremo contrário, a personagem só foi piorando e piorando.

E não fica só nela. Muitos dos personagens presentes, importantes ou não para a trama, caíram nessa bagunça cronológica de tal maneira que se tornaram vazios e cheios de contradições. Como sempre digo: sim, a cronologia é um peso enorme, mas o que realmente deixa o leitor confuso é justamente o fato dessa cronologia não ser respeitada, ser distorcida a todo o momento. Atualmente é quase impossível saber o que vale ou o que não vale e isso vem tornando as histórias complicadas e fragmentadas. Alguns dizem que a cronologia não devia ser esse peso. Compreendo isso, mas se for usá-la, que se faça direito. Um exemplo que mostra que até internamente ninguém sabe o que vale para os personagens: na minissérie Task Force XII, em uma das edições uma personagem está morta e na próxima aparece viva. Não, não aconteceu uma ressurreição. Simplesmente não existe diálogo entre os criadores para organizar as coisas.

Voltando ao efeito dominó, Absolute Power acaba sendo apenas uma desculpa para a reestruturação da Liga da Justiça, que debandou (sem nenhum motivo convincente) ao final de outra saga, Crise Sombria nas Infinitas Terras (2022). No mesmo dia em que Absolute Power acabou, essa nova Liga fez sua estreia no especial DC All In. Aqui sim, as coisas andam, com a estrutura da nova Liga sendo explorada e dando início também ao Absolute Universe, uma nova linha editorial com versões alternativas dos principais personagens da editora.

Apesar de outros nós cronológicos que travam o raciocínio de quem acompanha os personagens, o especial, escrito por Joshua Williamson e Scott Snyder e desenhado por Daniel Sampere e Wes Craig, é muito mais fluído e cumpre o que promete, sem precisar de outra saga para avançar um passo. O fato de ser apenas uma edição ajuda bastante, anulando enrolações desnecessárias. O que veio antes se estendeu por anos. Os problemas da Liga, as pontas para o novo universo e outros elementos estão em movimento pelo menos desde Noites de Trevas: Death Metal (2020-2021). Alguns elementos já tinham sido esquecidos pelos leitores, outros claramente largados pelos escritores e editores, com diversas mudanças de direção no meio do percurso.

E esse é provavelmente o maior problema com a DC nos últimos anos: a total falta de planejamento e direção. Desde 2011 tivemos várias reformulações que não se conversam, com narrativas abandonadas no meio do caminho, uma contradizendo a outra mês a mês. DC All In é não só uma edição especial, mas o nome de mais uma iniciativa que garante ser um ponto de entrada para os novos leitores, com novas equipes criativas nas revistas tradicionais e o novo universo Absolute. E, de novo, o efeito dominó: a promessa é de que tudo é uma grande história, envolvendo os dois universos. Será que não entenderam que o leitor está cansado disso, cansado de ideias grandiosas (que são tudo, menos isso) que não dão em nada, deixando os personagens cada vez mais irreconhecíveis? Sendo sincero: é claro que não, pois os mesmos leitores que reclamam sem parar de tudo isso e muito mais, sempre disparam as vendas desses eventos que nada dizem.

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